sexta-feira, 21 de março de 2008

Episódio XV

A bibliotecária apanhou-me a tirar cotão do computador. Ela nunca faz barulho e portanto não sei há quanto tempo estava ela a observar-me do lado de lá da vitrina da minha cela. Simulei uma ascese digna de um exilado que escreve do sereno tédio da vida. A bibliotecária desapareceu atrás de uma estante e eu retomei a minha tarefa que, de todas as outras disponíveis a uma pessoa nas minhas circunstâncias, me parecia a mais interessante.
A minha cela tem um respirador que bafeja um ar mortalmente gelado. Tenho os ombros frios e caídos.
O tempo todo que tenho gasto-o a pensar em violência. Todo não, mas quase todo. Já me ocorreram algumas ideias brilhantes que se extinguiram no preciso momento em que me preparava para as pôr no papel. Chamo-lhe as ideias cadentes. Dão-nos um vislumbre de como seria se fôssemos geniais. E depois desaparecem. Eu cá peço sempre o mesmo desejo mas só não o escrevo aqui porque senão não se realiza. E depois fico à espera e é aí que me aborreço terrivelmente.
Em cima da mesa brilha o pequeno arame que arranjei para extrair cotão do meu computador. Reparo que afinal ainda não está convenientemente limpo.

1 comentário:

Lugones disse...

Este é um dos meus episódios favoritos. Também gostei muito da mensageira e do humor de irmãs.