quarta-feira, 16 de julho de 2008

Episódio XVI

Retrato de mulher com vestido azul, Balthus

O homem parou diante da pintura. Certificou-se de que não tirava a visibilidade aos outros observadores e deu um passo atrás. A figura do quadro, uma mulher pequena e enfezada, posava sob as indicações rígidas do pintor. Usava um enorme vestido antiquado às riscas verdes e azuis que lhe cobria todo o corpo miúdo. Na cabeça um pouco grande fora-lhe pintado um rosto magro; duas pequenas rugas na testa acentuavam-lhe o sobrolho levantado e uma silenciosa expressão de impaciência.
«Está bem assim? É assim que queres?», perguntava insolente.
Um dos braços parecia ceder lentamente com o peso do livro que segurava na mão. Contudo, manteve-se estática.
O homem avançou para a figura e esticou o pescoço com se a inspeccionasse.
«É difícil dar-lhe idade, sabia? Parece uma mulher-criança. Tanto podia ter 16 como 35, talvez.»
«É isso mesmo que ele quer.», disse a figura secamente.
«Quando vou no comboio tenho por hábito olhar as pessoas em volta, às vezes encontro mulheres e homens, crianças também, mas nunca posso olhá-las durante muito tempo, compreende? Eu só gosto de apreciar a beleza delas. Faço-o de um modo desinteressado.»
O homem endireitou-se e retomou: «Gostava, no entanto, de lhes poder falar, dizer-lhes talvez… mas como deve calcular deixo-me ficar quieto. Sorvo-lhes a juventude por algumas estações.»
O homem recuou um pouco e a mulher-criança permanecia fiel à sua encenação.
«Tudo parece velho e antigo, não é?», disse sem se mexer.
«O vestido, talvez.», disse o homem semicerrando olhos.
«A cadeira, já reparou na cadeira? Foi ele que a pôs aqui. Diz que é parecida comigo. É uma senhorinha, esguia e velha como eu. Bem que gostava de me sentar e descansar um bocado. Mas tenho que permanecer de pé, de costas para a cadeira. É assim que ele quer.»
O homem, que ficara só defronte do quadro, avançou o mais perto que pôde e pisou o limite de proximidade marcado no chão. Depois sussurrou:
«Podia assim desajeitadamente saltar para o meu colo, como fazem as crianças, e adormecer profundamente.»

2 comentários:

Filipe Gouveia de Freitas disse...

Obrigado! Já ia sentindo a falta.

Beijo,

Iúri

s disse...

Meu dude queridinho!