sexta-feira, 11 de maio de 2007

Episódio III.1

Abriu a porta de casa e deixou escorregar a mala do ombro que caiu com um som seco.
Cheirava a chão encerado, um cheiro de amoníaco doce. Arrastou-se até à sala e, atirada sobre o sofá, esticou a mão até ao livro ao seu alcance. Magnum cinema a letras grossas e azuis.
Folheou lentamente, olhando sem ver, uma e outra página.
Parou o gesto maquinal da mão e deteve-se sobre uma imagem: uma estrela de cinema fumava a preto e branco. Durante demorados minutos deixou os olhos sobre o modelo condenado a acender eternamente aquele cigarro. Por escassos segundos sentiu horror à eternidade.
Saiu do abandono do corpo e sentou-se muito direita.
Agarrou o molho de páginas por passar deixando o polegar escolher ao acaso uma mais à frente. Abriu. Cavalos e poeira. Tentou novamente. Uma fotografia nova surgia. Uma diva, de braços abertos, joelhos juntos e ligeiramente flectidos, posava com um vestido às bolas muito cintado; com a cabeça altiva lançava um sorriso fino mas provocador, de um vermelho vivo.

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