quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Episódio de vanguarda

É espantosa a maneira como Eugénia executa os mais variados objectos no ar e os estilhaça com grande rapidez. Objectos de louça e vidro, sobretudo. Todos os outros, a julgar pelo material resistente, ficam muito aquém de uma grandiosa desintegração. As execuções mais elaboradas de Eugénia já contaram com um prato, um copo e um decante com vinho. A célebre intervenção com recipientes de vidro cheios de líquido teve lugar na sua cozinha mas o espectáculo sensorial aí apresentado dificilmente poderá ser descrito. Qualquer tentativa resultaria apenas numa imagem modesta do comportamento e efeitos dinâmicos do líquido no ar, intersectados por uma profusão de cacos cujas formas de vanguarda podem ser fisicamente apreciadas no final da actuação.
As concepções de Eugénia são acontecimentos que não convencionam tempos nem espaços e não requerem ensaio. São talvez estas as razões que levam os eminentes críticos a considerar as suas intervenções «descuidadas, inoportunas e vazias de intencionalidade artística». Muito injustamente se descreve as execuções de Eugénia como «frívolas convulsões sem método» ou meros «gesticulares incipientes».
Sabemos, porém, que as manifestações artísticas propõem mundos novos que a grande crítica nem sempre reconhece com justeza.
Nas execuções de Eugénia é importante apreciar, antes de mais, a surpreendente habilidade das extremidades do seu corpo, em particular dos membros superiores, que arriscam golpes de uma heterodoxa orientação espacial; a aguda agilidade dos seus extremos sugere belíssimas linguagens cinéticas.
Durante a infância as suas manifestações foram quase sempre contrariadas, exceptuando algumas condescendências pontuais. Mesmo desaconselhada de tais expressões, Eugénia continuou a desafiar a física com gravidade. Com apenas 21 anos, experimentava efeitos com pires e frascos de compota cujos resultados, ainda que desajeitados, não devem, por isso, merecer menor atenção, se os reconhecermos como parte inevitável de qualquer trajecto criativo.
Na obra de Eugénia encontramos as heranças de I. Duncan e mais concretamente de Nijinski, artista completo, ousado no corpo e na alma. Sublinha-se uma das primeiras, senão a mais arrojada das suas execuções, uma intervenção aérea com um prato proveniente da antiga RDA, cujo valor simbólico pulverizou o espaço em redor e disseminou as suas partículas por geografias inauditas. Este singular acontecimento culminou num intenso litígio familiar e teve sérias repercussões na vida de Eugénia, uma vez que, imediatamente após o evento, o seu percurso artístico sofreu uma breve interrupção.

2 comentários:

Abssinto disse...

Os artistas não são pessoas fáceis ou a Arte é difícil.

:)

Obrigado pelo teu comentário, C. a apresentação é no dia 09 de Dezembro.

bj

Lugones disse...

Sou grande fã dos trabalhos da Eugénia e também pratico, muitas vezes, o seu Ofício.
No entanto, no meu trabalho, em vez de notarem as subtis influências de Nijinski, ou I. Duncan, os críticos mencionam, antes, a dívida da minha Arte perante outros autores, surgindo, à cabeça, o nome do Macaco Adriano, do saudoso Big Show Sic.

Actualmente, dedico-me, com afinco, a outra Arte- a de fazer desaparecer chaves. Já consegui volatilizar chaves de casa, de escritório e, muito recentemente, as chaves do meu carro.