segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Episódio XI

A grande porta verde do antigo palacete está sempre empenada. Na entrada, por detrás de um balcão alto e cinzento, surge a cabeça da Ângela encimada pelo vão da escadaria principal. E a Ângela, debruçada sobre o telefone, diz: «Bom dia sôtora!». Cumprimenta todos os dias levantando os olhos e colocando-os sobre o balcão. Depois o telefone toca e não pára de tocar o resto do dia. Com os olhos sobre o balcão, põe o auscultador na têmpora.
A Ângela, quando sai de trás do balcão é sempre por pouco tempo. Geralmente lança-se numa corrida de muitos passinhos porque a saia lhe estrangula os joelhos.
Quando foi preciso fazer obras na recepção, mudaram a Ângela provisoriamente para uma sala. Arranjaram-lhe uma mesa para substituir o balcão e ela levou consigo o telefone. «Bom dia sôtora! O sôtor está ao telefone, vai ter de aguardar um bocadinho», diz a Ângela de busto à mostra. Estava desorganizada, nunca mais acabavam as obras.
Um dia surpreendi a Ângela a olhar provisoriamente pela janela. Ninguém tinha telefonado.
De repente levantou-se e fez a sua corridinha apertada para transmitir uma mensagem. Vestia calças mas a saia ainda lhe estrangulava os joelhos.

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